O tempo

Os anos se passaram, no ritmo normal do tempo, às vezes compassado, às vezes devorando vorazmente a vida, em outros numa modorrenta rotina. Porém passaram.
Entre os anos, os meses, semanas, dias, horas, minutos, segundos, são os instantes, este fragmento incalculável e elástico, os que realmente marcam a passagem do tempo. Quem diz que existem dimensões cartesianas que determinam o mundo e a existência, nunca se atentou para o valor do instante, tão imprevisível quanto uma gema preciosa.
O homem, viciado em seu relógio, sente que o tempo se torna indefinível no quarto de sua amada. A mulher, carrega uma dor infinita salpicada de preciosos momentos luminosos, que mantém o lusco nos olhos e dilata, como um confortável agasalho a lhe abraçar, cega. A velha guarda, vorazmente, as recordações dos anos idos, como testemunhos de um memorial pessoal, sem lhe dar muito sentido. O senhor sistematiza e revê fotos e documentos, construindo uma tessitura de significados que enreda todas as referências, cuja importância não sabe definir. Outro, de prazer iconoclasta, queima no fundo do quintal o que considera velho e não percebe que a velhice também já o compõe. O fogo também queima a alma, de lembranças ardentes que não externalizaram. Outra busca na internet aqueles que julga personagens fundamentais de sua história passada, sem perceber que o tempo, por ser impreciso, também possui espacialidades fluidas e que seus vetores têm sentido imprevisível.
Quem determina ou pode qualificar o valor das memórias? Não há paquímetro ou teodolito que possa servir como instrumento de referência para sua medição. Elas são o ponto onde locamos nossos instantes, elencados e qualificados como fundamentais, pedra e monumento de histórias pessoais que, como todas, poderiam se transformar em livros de romances ou novelas. A memória é a atriz de uma cena que é guardada pelo foco de uma luz pessoal, que transforma o instante em ápice do ato. Contudo, a atriz também envelhece, perde o viço e as forças, desta forma, algumas memórias perdem o sentido, são aposentadas e, se dignamente tratadas, serão mantidas, afetuosamente, até o fim dos dias. Porém haverão os que abandonarão esta, velhinha, no quarto do fundo de suas casa ou levarão ao asilo. Quem quer lembrar dessas memórias-velhas, se tantos outros instantes novos surgem, a ressignificar a existência pessoal, cada dia?

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