Tirando sossego até dos mortos

O descaso com a memória em Belém está há muito ultrapassando o limite do bom senso. A memória, essa matrona das Artes, Ciências e História está sendo profanada a cada dia, refletindo o descaso das autoridades e entes responsáveis por sua manutenção.
Um grande apagamento de memória vem sendo sistematicamente feito, como se lembrar de uma cidade próspera e culturalmente rica fosse doloroso demais para a capital do Estado do Pará. São os edifícios, os artistas, os monumentos, as formas de expressão populares e, agora, não contente de dilapidar as referências dos vivos, atacam-se os mortos.
Registro do arquiteto Sérgio Lobato
O abandono antigo e sistemático do Cemitério da Soledade, anunciado com recursos para a sua recuperação, vem sendo posto à mostra há anos, seja a partir de pesquisas e publicações, como da arquiteta Paula Rodrigues, quer pela imprensa que destaca, de tempos em tempos, sua importância. A mim o tema cemiterial é muito caro, e devo parte do meu apaixonamento por Belém à transparência do gradil inglês do Soledade. Mas outros pesquisadores tem se debruçado sobre a temática, e não apenas sobre a pérola do Cemitério de Nossa Senhora da Soeldade. Outros conjuntos merecem respeito por seu valor material e referencial, sem contar a necessária reverência aos mortos. Ao menos deveriam.
Registro do arquiteto Sérgio Lobato
Recebo um e-mail de uma grande amiga, Dulce Rocque, presidente da CiViva e defensora da memória histórica de Belém, que repassa a denúncia do abandono do Cemitério da Ordem Terceira de São Francisco, que vem sendo desmembrado para construções e tratado com descaso a ponto de suas capelas se se tornarem abrigo.
Jamais vou questionar o direito à moradia de quem quer que seja, nem de perturbar o sono (temporário ou eterno) de ninguém. Contudo há de se agir de forma coerente e competente, de acordo com a política pública que lhe caiba. Não é digno a quem precisa invadir um mausoléu para ter abrigo, nem àquele que lá está sepultado. Não é respeitoso com a memória, com a crença e sequer com a salubridade permitir esse tipo de uso. É insano compactuar com essa situação, se omitir frente a tamanha expressão de barbárie: e não estou falando daqueles que foram flagrados na tumba, mas dos que permitiram com o seu descaso, que isso fosse possível.
Desejo profundamente que algo seja feito.
Questionarão: mas você está morando em outro Estado e ainda se incomoda? Eu respondo: sempre me incomodarei quando a questão ultrapassar os limites (e não estou falando dos geográficos) em Belém, ou em qualquer outro lugar.


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