Nem sempre os dias serão assim

Hoje comprei um oroborus. É um signo antigo, de uma cobra comendo o próprio rabo, que representa o movimento cíclico da vida, o recomeço, a necessidade de nos realimentarmos de tudo que passamos, de bom ou ou ruim, que deixamos pra trás. Digerir e seguir renascendo. Por isso, não estranhem se me virem com uma pulseira em forma de cobra: é um oroborus, não é nenhum sinal de falsidade.
Tem coisas que são signos fundamentais para mim: amizade, a fé e a necessidade de sempre me ressurgir. Talvez minha aproximação com a preservação e restauração esteja ligada a isso. Não acredito no que não tenha permanência tamanha que não me passe a sensação de infinito; não aposto em nada que tenha limites visíveis; finitude me assusta.
Enquanto passeava com o oroborus na mão, recebi telefonema da Maria Christina me presenteando com uma das imagens da exposição Ifigênia e o Duplo Caminho, que encerrava na Casa das Onze Janelas. Cedo eu estava lá, em frente, tomando água de coco com André Guilhon e conversávamos sobre todos os caminhos e descaminhos de nossas vidas... Como é traumatizante trabalhar com patrimônio... Como é duro termos consciência de uma cidade melhor e vermos a cada dia Belém se desfazer nas vaidades das gestões e na miopia dos gestores... Veja o que aconteceu em Santa Maria: a falta de fiscalização somada à ganância de quem trancou as portas para que as pessoas não saíssem sem pagar a comanda! Sim, precisamos melhorar muito esse mundo!
Mas às vezes conseguimos. Veja o caso da Aldeia Maracanã: foram tantos argumentos colocados, mesmo com certa divergência em relação a pertinência da preservação de um edifício que marcou mais fortemente na memória como um edifício abandonado e ocioso, mas que, por fim, será tombado e restaurado.
O que tiramos de conclusão, de um dia cheio de contratempos? Retorno ao oroborus, à necessidade de renovar, de me alimentar de cada pedaço dessa serpente infinita que é a vida, dos dias com seus momentos brilhantes e obscuros. E novas serpentes e dragões se entrelaçarão em movimento contínuo de atualização, arrastando-se a frente, contínua e eternamente.
Nem sempre os dias serão assim, ou nunca mais serão, mas temos que seguir em frente. Pequenas alegrias, grandes conquistas, contribuições mínimas, tristezas descomunais, elogios bobos, gestos perdidos, tudo nos alimenta para acordarmos no dia seguinte renovados. Algo sempre nos alimenta de forma fundamental para nos levar adiante.

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