Ifigênia e o duplo duplo caminho


"Ifigênia e o duplo caminho" é o título da exposição de Maria Christina na Casa das Onze Janelas. O maior dos presentes que poderia ganhar nesse fim de ano.
Começou com o convite dessa grande amiga para que escrevesse o que se tornou o texto de abertura da exposição, como a epígrafe de uma ideia concebida e maturada em carinho e sensibilidade.

"Ifigênia é uma cidade de uma rua só, mas na qual estamos e não estamos, pois o real é antigo e o virtual é constantemente atualizado. Suas luzes estabelecem a forma mais concreta de suas permanências, mas se apagam a cada novo lumiar, quando seus moradores passam a circular entre o passado e um futuro que eles acreditam ser, mas que de fato é o presente impregnado de lembranças doídas e devires incertos. Essa rua poderia ter o nome de travessa de São Mateus, onde por outras plagas uma santa do mesmo nome seguiu o caminho de palavras e foi condenada ao fogo cerimonial por homens fraudulentos ligados ao rei, pois em Ifigênia temos tantas paisagens e discursos quanto lá. Entre praças de Ifigênia convivem opostos e camadas, calmaria e diversidade; Ifigênia vai da beira do rio ao alto padrão, se estreita e se alarga, sombreia e brilha, mantém uma memória expressa em cada olhar vago nos detalhes de suas sobreposições de monumentalidade e singeleza; quem anda por Ifigênia anda em sonhos."
A exposição em si está nas entrelinhas, entremeada e amarrada nas linhas do desenho que constroem essa cidade invisível - Ifigênia - que não pode se deslocar de ser o que é, mas que se sobrepõe em camadas e mais camadas (de história, de linguagens, de visões de mundo, de intenções e ações que a configuram). Como Santa Ifigênia, condenada ao fogo por acreditar em suas verdades, sobrevive a cada investida; como o amor impossível, perseguido e proibido, presa em suas verdades, doendo suas entranhas; Ifigênia que não se revela, mas que está ali, firme, revelando-se como as fotografias do passado, em sequências de submersões e suspensão, aos poucos e indelével; nas sobreposições que, se não físicas na imagem, são mais firmes e latentes na intenção desse duplo caminho.


"O certo é incerto, o incerto é uma estrada reta, de vez em quando acerto, depois tropeço no meio da linha". (Jorge Salomão)


Christina, Ifigênia e eu temos muito em comum, e esse foi o prazer. Um momento de sair do cesto (das Andaras de Vicente Cecim), mesmo que travestida de Calvino.

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