Burka social

"Muitas mulheres que não se vestem de forma modesta levam os homens jovens ao mau caminho, corrompem a sua castidade e espalham o adultério pela sociedade. Isso, consequentemente, faz aumentar o número de terremotos", afirmou Hojatoleslam Kazem Sedighi, líder religioso do Irã, esta semana.

Talvez seja este o temor em dar à Rose Norat o devido acento como Conselheira de Cultura, no segmento Arquitetura...

Mas este título "Burka Social" surgiu antes da revelação do líder islâmico, criado por Barbara Irene Wasinski Prado ao citar o fato do nome da arquiteta paraense, abaetetubense e professora da UFPA, Roseane Norat, embora a mais votada, ter sido preterida como titular do Conselho de Cultura.

É da Bárbara o texto a seguir, que ela apresentou em palestra no dia Internacional da
Mulher no Senge-MA.

"Participação das Mulheres na Construção das Cidades

Falar sobre a participação da mulher na construção das cidades, sem passar pelo clamor da equidade social, é uma tarefa muito difícil por dois motivos: o primeiro por ser a participação feminina efetiva, mas com reconhecimento quase sempre pouco enaltecido. O segundo por correr o risco de parecer feminista dos anos 70, o que não é a proposta.

Algumas dirigentes com quem tenho conversado vem reportando a ocorrência de um fenômeno após sua atuação - o fenômeno do apagamento. E é esse apagamento do sucesso feminino que motivou a palestra.

O apagamento pode se dar de várias maneiras, mas destaco duas principais para o segmento da arquitetura e urbanismo: aquele que impede a difusão do trabalho intelectual das arquitetas e aquele que suprime sua participação ou autoria. No caso do trabalho intelectual fica evidente a questão de gênero.

Nossas revistas e anuários, empresas construtoras e prêmios de arquitetura, em sua maioria, pouquíssimo dedicam-se aos trabalhos da arquitetas, apesar da média nacional nos cursos de Arquitetura e Urbanismo ser de mais de 50% de contingente feminino nos últimos vinte anos. Todas elas serão mão-de-obra feminina que estará trabalhando no mercado, embora alguns achem que farão artesanato. E apesar disso continuarão transparentes?

A II Conferência do Conselho Nacional de Cultura, que aconteceu agora em março de 2010, não conseguiu romper a hegemonia do gênero que há na arquitetura. A primeira colocada para integrar a lista tríplice, mais votada entre os delegados arquitetos/as que estiveram em Brasília,não assumiu. Ela que seria a mais legitima representante dos arquitetos, porque eleita entre seus pares.

Haviam duas esperanças nessa Conferência Nacional de Cultura: a primeira era obter um compromisso de realização de concursos públicos para os projetos arquitetônicos destinados à cultura, e o segundo levar a arquitetura para o restante do Brasil, tendo uma arquiteta pela frente. A primeira virou proposta e certamente teremos com o tempo, maior inserção e transparência na contratação de projetos públicos. A segunda lamentavelmente, se desfez no preconceito e na falta de equidade social.

Entendo que a lista tríplice é uma prerrogativa do Ministro da Cultura, mas o bom senso recomendaria que se respeitasse as colocações dos candidatos, especialmente quando há muita diferença numérica. Entretanto a primeira colocada não ascendeu ao cargo. Não teremos uma arquiteta conselheira nacional no CNC.

Lamentar? Sim, lamentar!

Nunca tivemos uma presidente em 75 anos de CONFEA - Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia.
Nunca tivemos uma presidente em 85 anos de IAB - Instituto de Arquitetos do Brasil.
Só posso lamentar, mas não quero dizer às minhas alunas que continuarão a se nutrir de ilusões em nossas salas de aula, cheias de grandes projetos de arquitetos. Precisamos sim fazer esta hora chegar.
A questão da equidade de gênero na arquitetura é algo pelo qual tem-se muito a trabalhar e por isso a trazemos a discussão.


Ao apresentar alguns projetos importantes de referência internacional, destaquei aqueles cujo apagamento das arquitetas é silencioso, apesar de grande qualidade de seus trabalhos.
Com excecção de Zaha Hadid, nomes como Denise Scott Brown, Martha Schawrtz, Barbara Kuit, Carmem Portinho (engenheira que em 1937 criou a Associação Brasileira de Engenheiras e Arquitetas), Lina Bo Bardi, Rosa Grena Kliass, Márcia Nogueira Batista (Jardim Zoobotânico de Brasília), Maria Elisa Baptista (criadora do Gentileza Urbana), entre outras tantas arquitetas de importância são pouco consagradas.

Zaha Hadid tem sido muito lembrada pelos calçados que criou (Melissa).
Zaha é iraniana e estudou em Londres, não usa burka, mas tem grande atenção da mídia inglesa, não só pela grande competência projetual, mas também simbolicamente, como efeito midiático para o mundo feminino muçulmano.

Um dos projetos discutidos, ligados a mulher, foi o projeto que recebeu menção honrosa pela qualidade arquitetônica: a Universidade para Mulheres Princesa Nora bint Abdulrahman, de Ryad na Arábia Saudita, e muito emblemático para este tema.
A experiência vivida como membro do júri da 8º Bienal Internacional de Arquitetura em 2009, foi rica e desafiadora, pois mesmo refletindo sobre os avanços e simbolismos da universidade/cidade árabe, para a educação das mulheres nas ciências humanas e na medicina, a proposta arquitetônica e urbanística significava legitimar espaços exclusivos para abrigar 40000 mulheres, 10000 delas em regime de internato, sem nenhuma interação de gênero. Todas vestindo o chador. Confesso que precisei exercitar para conseguir ter isenção ideológica para olhar tal arquitetura.

E afinal o que se extraiu disso tudo?

Que nós daqui, mesmo que com um pouco mais de sucesso que muitas brasileiras por aí e mais liberdade que muitas de outras nacionalidades, ainda trajamos uma “burka social” que precisa ser descartada de nossa cultura arquitetônica e urbanística.

Barbara Irene Wasinski Prado

PS: A propósito alguém me mandou uma manifestação que guardei porque achei ótima (vou ver se acho quem foi) o trecho era mais ou menos assim:

"Que diabo de lista tríplice é essa que desconsidera tanto a escolha das pessoas? Lista tríplice serve para duas coisas: quando há proximidade do número de votos,
e a escolha final fica por conta de alguma autoridade, ou quando o "boss" resolve quem é mais adequado para trabalhar com ele, e engloba a plebe que acha que escolheu alguma coisa.
Como é que uma pessoa que só ele votou nela mesmo (ou outra pessoa e nem ela mesmo?) toma o lugar de alguém com cinco votos?"
"
E QUE VENHAM OS TERREMOTOS!

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