Reconhecer

Não há trabalho acadêmico que não tenha por destino ser exercício intelectual fadado à função de conclusão de um ciclo. Contudo, aos que tiverem este texto em mãos, ficaria a última provocação: a de reconhecer o que de cada um de nós existe em cada objeto no universo de estudo tratado, ou buscar entender o porquê de ignorarmo-los.
A essência do tema estaria na compreensão do porquê destes objetos não se traduzirem, de fato, patrimônio da cidade. A crença na falta de informação e na invisibilidade estaria por terra se o esforço individual de observação ou busca pela compreensão dos aspectos históricos existisse de fato. Mas a questão passa por uma ainda mais profunda: não há o interesse.
Quando não zelamos por algo que é, por direito, nosso, estamos abrindo o precedente para que outro o tome e se aproprie. Na verdade, não reconhecemos seu potencial simbólico, e mesmo não o temos como realmente nosso.
Tornar patrimônio pode parecer uma expressão positivista e conservadora, mas de fato não o é. Patrimônio é tudo aquilo que guardamos como valor tradutor de nossa história individual, como testemunho para outros que busquem conhecê-lo e reconhecer-nos com o passar do tempo. Temos o patrimônio material, que sinaliza nossa capacidade produtiva dentro do contexto capitalista e a capacidade de acumulação de bens (imóveis, obras de arte, jóias, entre outros). Temos o patrimônio intelectual, um acúmulo de conhecimento, das mais diversas origens, e de articulação de imagens mentais que nos confere um determinado perfil, entre outros. Devo enfatizar que este raciocínio não busca uma estratificação, mas uma qualificação. Quando estas expressões de qualidade refletem um grupo, temos o patrimônio cultural, coletivo. E para que acumulamos conhecimento, objetos, espaços? Para garantirmos um cenário propício à nossa existência individual e legarmos como herança para quem vier após como um pouco de nós mesmos. Fazermos acreditar que possamos garantir a permanência através dos tempos de algo que somos, que cremos, que ajudamos a construir.
A compreensão desta dinâmica, que às vezes se obscura pela névoa de um discurso de política cultural, permitiria entender cada objeto, cenário, personagem e manifestação da nossa cidade, que é o espaço humanizado de seus habitantes, como constituinte de nós mesmos.
Assumindo a postura do flaneur estaremos defendendo o nosso espaço real de vivência da cidade.
Entender, assumir como memória individual, com a consciência de estar inserido no contexto coletivo e, especialmente, defender como defendemos nosso acúmulo individual é tornar a cidade, e seus elementos, nosso patrimônio.

(Texto retirado da monografia "Marcos do Tempo", 2005)

Comentários

Postagens mais visitadas